segunda-feira, 15 de março de 2010

As práticas sociopolíticas dos cristãos

As práticas sociopolíticas
Helio e Selma Amorim*

A quem está morrendo de fome, vamos correndo dar o peixe. Mais adiante, aplacada a fome, é possível que consiga aprender a pescar. Mesmo assim, ainda vai precisar receber o primeiro anzol. Só depois começam as práticas de promoção humana, para que tendo aprendido a pescar, não permaneça para sempre dependente de ações assistenciais.


Mas não basta. Falta garantir-lhe o direito de comer o peixe que pescou. Porque não é isto o que estamos vendo nesse modelo injusto de sociedade excludente e opressora. A maioria dos que trabalham não consegue usufruir do produto do seu trabalho. Produz bens que nunca poderá possuir. Constrói boas casas mas mora em favela. Os donos das máquinas e das fábricas, das fazendas e usinas, aqueles que investem seu capital na produção possuirão tudo o que braços e mentes produzirão. Aos trabalhadores pagarão salários insuficientes para comprar as coisas que produzem.
Essa equação cruel faz parte da lógica do sistema capitalista em sua forma habitualmente selvagem, que hoje se reveste de uma vistosa e enganosa roupagem neoliberal. Tudo será regulado pelo deus-mercado, cuja "mão invisível" cuidará que as tensões se equilibrem magicamente, dela resultando misteriosamente a justiça social e a paz, com igualdade de oportunidades para todos, numa sociedade igualitária e feliz.
O que observamos, mesmo os mais distraídos, é que essa utopia secular de Adam Smith nunca se realizou, em nenhuma parte do mundo. A crise econômica planetária de 2008 revela a fragilidade e contradições do sistema econômico globalizado. As relações comerciais internacionais são desonestas, com a imposição de baixos preços aos produtos primários exportados pelos países periféricos. Esses países ficam submetidos à competição desvairada entre si, estimulados pelo mercado comprador, para garantir as cotações negociadas habilmente nas bolsas dos grandes centros financeiros mundiais. É a lei da oferta e da procura, sempre manipulada por quem detém o poder econômico, com seus oligopólios e cartéis, produzindo ricos cada vez mais ricos, à custa de pobres cada vez mais pobres.
Este mecanismo funciona diabolicamente, tanto nas relações internacionais como na economia interna dos países, com o mesmo resultado. Não é à-toa que em todos os países são elevados os níveis de desemprego. É também da lógica do sistema. A oferta de mão de obra tem que ser sempre maior que a demanda, para assegurar os baixos salários praticados. Sempre haverá um desempregado desesperado que aceitará qualquer proposta. Se a economia se aquece e se chega ao pleno emprego, os salários subirão, para atrair a mão de obra escassa. Por isso, é preciso impedir esse aquecimento. Esse é um dos mais iníquos aspectos do sistema a que estamos submetidos.
Voltando ao pobre pescador, que assim não pode comer o peixe que pescou, percebemos que esses mecanismos espoliadores são próprios de estruturas socioeconômicas desumanizadoras intoleráveis. O cristão conscientizado identifica essas engrenagens. Em sua ação profética, denuncia a sua maldade intrínseca. Também compreende que a denúncia não é suficiente. É urgente transformar essa realidade contrária ao projeto de Deus.
Essas transformações somente acontecerão por via política. O cristão é chamado a uma atuação política efetiva, num leque amplo de possibilidades e alternativas eficazes. Além da militância ativa em partidos políticos, são inúmeras outras oportunidades de ações dessa natureza através da participação nas múltiplas estruturas sociais intermediárias existentes ou que podem ser criadas: ONGs, associações civis e eclesiais, sindicatos, conselhos municipais comprometidos com direitos humanos e tantos outros.
Paulo VI, na "Octogesimo Adveniens" afirmou que a ação política é uma das mais nobres escolhas de o cristão atuar no mundo, para transformá-lo. A política, em suas variadas expressões, é o instrumento próprio para perseguir-se esse objetivo. É espaço a ser ocupado pelos cristãos, como opção de fé.
Então podemos reformular o ditado famoso: “a quem tem fome, dar o peixe, antes que morra; logo que possível, vencida a fome, dar-lhe o anzol e ensinar-lhe a pescar, para que não fique para sempre dependente de ajuda; em seguida, juntar-se a ele na luta política pelo direito de comer o peixe que pescou”.

*Membros do Movimento Familiar Cristão e da Rede de Cristãos.

Brasil no meio do tiroteio...

As andanças diplomáticas do presidente pelo Oriente Médio e em breve no Irã parecem obedecer a uma bem urdida estratégia do tipo “conforme combinado”. O mundo ocidental se une para pressionar o desconcertante líder iraniano com medidas sufocantes e tem o Brasil como válvula de escape para negociar amistosamente com o instável personagem para o bem de todos os envolvidos nesse complicado jogo de xadrez no qual um cheque-mate não convém a nenhum dos jogadores. Nas visitas preliminares.a Israel e Palestina, extremamente cordiais, o hábil senhor do Itamaraty deu um jeito de excluir da agenda do presidente uma homenagem ao fundador do sionismo que previa flores brasileiras em seu túmulo. Seria um desastre para o diálogo com o outro lado do muro da Cisjordânia. Assim, com esses sinais diplomáticos expressivos, pode ser bem sucedido o entendimento “desse cara” com o inquieto presidente executivo dos aiatolás para garantir átomos iranianos bem comportados. As críticas externas às andanças do presidente podem ser parte combinada de uma instigante coreografia.