quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Menino de rua

Nesse pequeno que passa, roto e sujo, pela rua, caminha o futuro. É a criança filha de ninguém, o garoto sem nome além de menino de rua. Passa o dia entre as avenidas da cidade, as praças e por vezes nos amedronta, quando se aproxima. Ele não vai à escola e todas as horas observa que se esgotam os momentos da sua infância.
Você atende os seus filhos, tendo para eles todos os cuidados. Esmera-se em lhes preparar um futuro, selecionando escola, currículo, professores, cursos. Acompanha, preocupado, os apontamentos dos mestres e insiste para que eles estudem, preparando-se profissionalmente para enfrentar o mercado de trabalho.
Você auxilia os seus filhos na escolha da profissão, buscando orientá-los e esclarecê-los, dentro das tendências que apresentam. Você se mantém zeloso no que diz respeito à violência que seus filhos podem vir a sofrer, providenciando transporte seguro, acompanhantes, orientações. São seus filhos. Seus tesouros. Enquanto seus filhos crescem em intelecto e moralidade, aqueles outros, os meninos de rua prosseguem na aprendizagem das ruas, maltratados e carentes. À semelhança dos seus filhos, eles crescerão, compondo a sociedade do amanhã. A menos que pereçam antes, vítimas da fome, das doenças e do descaso. Cruzarão seus dias com o de seus rebentos e, por não terem recebido o verniz da educação, as lições da moral e o tesouro do ensino, poderão ser seus agressores, procurando tirar pela força o que acreditam ser seu por direito. Você se esmera na educação dos seus e acredita ser o suficiente para melhorar o panorama do mundo. No entanto, não basta. É imprescindível que nos preocupemos com esses outros meninos, rotos e mal cheirosos que enchem as ruas de tristeza. Com essas crianças que têm apagada, em pleno vigor, sua infância, abafada por trabalhos exaustivos, além de suas forças. Crianças com chupeta na boca utilizando martelos para quebrar pedras, acocorados por horas, em incômoda posição. Crianças que deveriam estar nos bancos da escola, nos parques de diversão e que se encontram obrigados a rudes tarefas, por horas sem fim que se somam e eternizam em dias. Poderiam ser os nossos filhos a lhes tomar o lugar, se a morte nos tivesse arrebatado a vida física e não houvesse quem os abrigasse. Filhos de Deus, aguardam de nós amparo e proteção. Poderão se tornar homens de bem, tanto quanto desejamos que os nossos filhos se tornem. Poderão ser homens e mulheres produtivos e dignos, ofertando à sociedade o que de melhor possuem, se receberem orientação. Por ora são simplesmente crianças. Amanhã, serão os homens bons ou maus, educados ou agressivos, destruidores ou mensageiros da paz, da harmonia, do bem. É dever de todos amparar o coração infantil, em todas as direções, orientar a infância, colaborando na recuperação de crianças desajustadas. É medida salutar para a edificação do futuro melhor. Sem boa semente, não há boa colheita. Enfim: acolher e educar os pequeninos é humanizar a humanidade.

(Momento de Reflexão – via Internet)

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Os pais em uma sociedade educadora

Marcelo Barros*
A comemoração do dia dos pais tem sempre forte apelo comercial, mas não deixa de suscitar fortes emoções, seja para quem pode abraçar seu pai, seja para as pessoas cujo pai já partiu para a eternidade. Esta data foi inventada, em 1953 pelo jornal O Globo, no contexto de uma crise política, "para permitir que os filhos homenageassem a figura heróica do chefe de família que, nestes dias, atribulados e difíceis, é o responsável pela preservação dos laços cristãos que mantêm unida a família brasileira" (Cf. O Globo, 05/ 08/2005).
Atualmente, a realidade política é mais estável e a sociedade é pluralista, ou seja, cultural e religiosamente diversificada. A família tem uma estrutura de convivência diversa e a comemoração do dia dos pais tem outro contexto e finalidade. Festejar o dia dos pais pode ser boa ocasião para se refletir sobre o exercício da paternidade, seja dos homens que têm a graça e a responsabilidade de ter gerado vidas, seja de outros que, mesmo sem ser pais biológicos, são responsáveis por uma paternidade afetuosa e espiritual.
Todo mundo pode ter amigos e amigas, mas cada ser humano tem apenas um pai e uma mãe. Em seu tempo, São Paulo escreve a uma comunidade que acompanha: "Embora vocês possam ter dez mil instrutores, não têm muitos pais. Só eu os gerei no Cristo" (1 Cor 4, 15).
As figuras de pai e mãe são, de tal forma, responsáveis pela estruturação da personalidade que é comum as pessoas idealizarem o que seria o pai ou a mãe perfeitos. Muitas mensagens que circulam no dia dos pais falam de um pai maravilhoso que, dificilmente, pode ser assim na vida concreta.
Hoje, no Brasil, uma em cada três crianças que nascem não tem como festejar o dia dos pais. Não por ser pobre ou por algum desastre natural, mas porque seu pai não a assumiu. Na certidão de nascimento consta apenas o nome da mãe. Todos os anos, no Brasil, nascem cerca de 800 mil crianças, frutos desta situação desumana (revista Época, 27/ 07/2009).
Ser pai no plano biológico é relativamente fácil e existem, hoje, técnicas genéticas que garantem isso para quem tenha alguma dificuldade. O desafiador é ser pai na construção amorosa de uma história humana. Trata-se de acompanhar contínua e generosamente outro ser em crescimento e que precisa de uma figura de educador como referência. Mesmo em uma sociedade na qual a maioria das famílias tem, cotidianamente, de lutar para sobreviver e garantir o seu trabalho, é importante assegurar o tempo de diálogo com os/as filhos/as, no qual estes possam ser confirmados e estimulados a sempre crescer na descoberta de novos valores e na relação benéfica entre escola e vida.
Na maioria das famílias brasileiras, é a mãe que, cada dia ou à noite, pergunta à criança pelo dever de casa. Embora, muitas vezes, nem ela mesma tenha segurança na matéria, confirma o filho ou filha no estudo. É importante que o pai, como homem, cumpra também a função de estimulador do crescimento educacional da criança ou adolescente. A escola cumpre um papel fundamental, mas só o apoio afetivo do pai e da mãe motivam a criança a avançar na escola e no caminho da educação integral. É por garantir este cuidado que o pai, mesmo se não teve as mesmas condições de estudar, pode sentir-se atualmente gerador contínuo de vida e crescimento para seus filhos. Ao fazer isso, ele vai constatar como tinha razão o poeta Vinícius de Moraes ao dizer no Poema Enjoadinho, que os filhos dão um trabalho imenso, mas, ao mesmo tempo, "que felicidade que os filhos dão!".
Ser pai significa assumir encargos sociais e humanos. Entretanto, para quem crê, é principalmente aceitar ser imagem de Deus-Amor, principalmente para as pessoas que nos olham como pai ou mãe.
* Monge beneditino e escritor. Publicado por ADITAL.

Nova Lei de Adoção

Sancionada pelo presidente da República no dia 3 a lei que estabelece novas regras para adoção, priorizando o direito da criança e do adolescente à convivência familiar. A nova lei entra em vigor em 90 dias. "É uma legislação criada para evitar a burocracia excessiva que hoje dificulta o final feliz para crianças e adolescentes que necessitam de uma nova família, e adultos que travam uma luta muitas vezes inglória para adotá-los", disse o presidente.
A lei deve reduzir a longa lista de espera para adoção no país. Hoje há cerca de 80 mil crianças e adolescentes em abrigos mas somente 3.500 em condições de adoção. Há 22.500 casais cadastrados para adotar. Fica limitada a dois anos a permanência em abrigos. Será assegurada assistência jurídica a gestantes e mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Austeridade

Como todos sabemos, a maioria das famílias brasileiras vive uma austeridade forçada. Tentando nada mais que sobreviver biologicamente pela venda de sua atividade física a baixo preço, essas famílias não consomem sequer o mínimo essencial para o desenvolvimento físico e mental equilibrado dos seus membros.

Helio e Selma Amorim*

Vivendo na condição de extrema pobreza ou miséria indigna, os que nascem estão condenados a reproduzir a pobreza pelos danos irreversíveis causados pela falta de alimentação adequada e efetiva assistência à saúde, pela exclusão social e condições precárias de vida desde o nascimento.
Falar-lhes de austeridade seria de mau gosto. Mesmo assim, há quem repreenda os pobres por gastarem numa cerveja de sábado ou na compra de alguma bugiganga inútil os parcos reais que, na ótica das nossas simpáticas elites, deveriam ser aplicados, por exemplo, em mais comida e higiene... Com essa apreciação crítica, sentem-se aliviadas. Afinal essa gente é pobre porque esbanja seu dinheirinho em coisas supérfluas em vez de comprar mais feijão.
Se nos transferimos para as famílias das classes médias, entretanto, vamos nos deparar com a farra consumista dos que têm trabalho, renda ou emprego seguro, e uma austeridade contrafeita dos que perderam o emprego ou o poder aquisitivo em conseqüência da crise financeira mundial.
Em ambos os casos, é forte o desejo de consumir, insuflado pela propaganda inteligente e sofisticada que associa à felicidade o consumo de bens atraentes de utilidade duvidosa.
Então os que podem, compram tudo o que se anuncia prometendo mais conforto e prazer. Comprar e possuir passa a ser um definidor de status social. A competição se estabelece, o espírito de imitação atua, a insensibilidade social e ecológica colabora. O amigo que compra para o filho uma engenhoca nova anunciada nas cores da TV passa a ser uma indução forte para que eu faça o mesmo por pressão desesperada do meu filho. Ele se julgará o mais infeliz dos infantes ou adolescentes mortais se não ganhar aquele brinquedinho idiota ou o joguinho estúpido de computador que lhe ensinará como atropelar velhinhos e mulheres grávidas para ganhar mais pontos.
Na mesa, o tradicional café com leite com pão e manteiga e o velho queijinho mineiro deram lugar a uma parafernália de tipos de pães, caixas e embalagens plásticas coloridas de cereais, sucrilhos, variados aditivos achocolatados para o leite longa-vida com a promessa de fartura de saúde e energia para a gurizada, à base de dezenas de vitaminas e proteínas - sem as quais ninguém sobreviverá, dizem os rótulos.
As embalagens sofisticadas, talheres, copos e toalhas descartáveis assustam: as latas de lixo ficam entulhadas, a cada dia, de "bens da natureza e frutos do trabalho do homem" que se descartam porque para isso foram feitos, em favor da simplificação do trabalho doméstico. A família mergulha, sem sentir, na sociedade do descartável e do desperdício criminoso, que destrói a natureza sem piedade.
É claro que se os bens realmente úteis e confortos simplificadores da vida doméstica fossem acessíveis para todos e que a natureza não fosse depredada por esse consumo, bastaria o cuidado de não se chegar à dependência desumanizadora das famílias a esses múltiplos bens materiais. Acontece que não é assim. A maioria das famílias não tem acesso a esses bens de consumo e a predação da natureza é cada vez mais evidente e preocupante.
Por outro lado, nas classes médias, a busca sôfrega pela posse de bens materiais, associada ao consumo obsessivo, se torna cada vez mais onerosa e exigente. É preciso trabalhar mais, fazer horas extras e "bicos" de fins de semana para ganhar mais e comprar mais. O tempo para o diálogo, para o lazer e a convivência familiar e social escasseia. Vive-se para trabalhar, comprar e consumir. Não há tempo para os filhos e para a contemplação da natureza.
Define-se um padrão de vida arriscado. Qualquer abalo na situação econômica da família que afete esse nível de consumo a que se habituou gera uma insatisfação nervosa. Já não sabem mais viver sem aquela quantidade de confortos e bens que passaram de supérfluos a indispensáveis.
O simples receio de que isto possa acontecer já afeta a tranqüilidade da família. É claro que um elevado padrão de vida escraviza e estressa. A austeridade, ao contrário, é libertadora e gera mais tranqüilidade. Se o padrão de consumo e conforto que adoto está abaixo do que meus rendimentos e capacidades pessoais me permitiriam, tenho maior segurança de que em situações de crise me será possível encontrar saídas para manter esse estilo de vida mais austero que adotamos.
Mais ainda e, principalmente: um padrão austero de vida gera uma capacidade maior de a família partilhar seus bens com os que nada têm. Os consumistas desvairados nunca têm como repartir. Estão sempre endividados nos seus variados cartões de créditos e cheques especiais para manter o seu arriscado padrão de consumo.
Como neutralizar ou pelo menos atenuar a indução ao consumismo desvairado nas famílias das classes médias?
Parece-nos que somente se pode enfrentar essa onda consumista avassaladora pela sensibilidade social cultivada desde cedo, com a consequente valorização da austeridade como opção de vida com mais liberdade, tranqüilidade e felicidade, entendida como expressão simbólica e ao mesmo tempo efetiva de solidariedade com os pobres. Austeridade que potencializa a capacidade de partilha de bens com quem não os tem.
Essa sensibilidade se constroi. Parte do contato habitual, físico, sensorial, com famílias pobres. Manter relações estreitas com famílias em situação de pobreza é essencial para se ver o mundo por sua ótica. Se desde criança os filhos são envolvidos nessa convivência com os deserdados e excluídos da sociedade, vão compreender, pouco a pouco, que o consumismo é absurdo, que o desperdício é uma agressão aos que vivem das migalhas dos ricos.
Sem esse envolvimento educativo e conscientizador, formam-se famílias burguesas que se isolam do mundo real em belos condomínios protegidos por grades e porteiros, mergulhados no consumismo desvairado, desenvolvendo as neuroses próprias desse modelo de família, que se manifestam na alienação e fuga da realidade e, nos casos extremos, no crescente uso de drogas, na multiplicação de gangues de jovens e adolescentes, até a opção pela criminalidade para alimentar a obsessão consumista, como o confessam tantos jovens delinquentes.
Vale resumir, insistindo: a austeridade é sem dúvida libertadora, base para a felicidade e expressão de solidariedade social.

*Diretores do Instituto da Família, Membros do Movimento Familiar Cristão.

v Como remar contra a corrente consumista?
v O consumo desvairado tem relação com a degradação do meio ambiente?